BRASÍLIA – Novas gravações da Polícia Federal mostram que o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) colocou o mandato e o prestígio de parlamentar a serviço de negócios de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, preso por chefiar a exploração ilegal de caça-níqueis e outros jogos em Goiás. Nas escutas, obtidas pelo GLOBO, Demóstenes acerta com Cachoeira táticas que vão da interferência em processo judicial ao lobby pela legalização dos jogos de azar no Congresso Nacional.
As conversas foram gravadas pela Polícia Federal, durante a Operação Vegas, ao longo de 2009. Num dos diálogos, interceptado às 14h41m de 22 de junho de 2009, o senador pede que Cachoeira pague o frete de um avião da Sete, empresa de táxi-aéreo. O contraventor já cobra a conta na mesma conversa e pede ao senador que interceda num processo judicial que estava no gabinete do desembargador Alan Sebastião de Sena Conceição, do Tribunal de Justiça de Goiás. O processo estava relacionado a um delegado e três agentes da Polícia Civil de Anápolis acusados de tortura e extorsão.
– Por falar nisso, tem que pagar aquele trem do Voar. Do Voar, não, da Sete, né? – pede Demóstenes.
– Tá, tu me fala aí. Eu falo com o… com o Vilnei. Quanto foi lá? – concorda Cachoeira.
Favor em troca de dívida
O senador informa que a despesa é de R$ 3 mil. Cachoeira diz que vai mandar um auxiliar quitar a dívida e imediatamente encomenda um serviço especial ao parlamentar.
– Deixa eu te falar. Aquele negócio (processo) tá concluso aí, aquele negócio do desembargador Alan, você lembra? A procuradora entregou aí para ele. Podia dar uma olhada com ele. Você podia dar um pulinho lá para mim? – diz Cachoeira.
O senador pergunta sobre um detalhe do caso e aceita a missão.
– Tá tranquilo. Eu faço – diz Demóstenes.
Os dois já tinham acertado formas de interferir no processo em conversas anteriores. Nos diálogos, em que Demóstenes chama Cachoeira de “Professor” e é tratado pelo amigo de “Doutor”, o senador relata ao contraventor o resultado de uma reunião que tivera pouco antes com o magistrado.
– Fala, Professor. Acabei de chegar lá do desembargador. O homem disse que vai olhar o negócio e tal – confidencia o senador, numa conversa interceptada às 16h39m de 6 de abril de 2009.
Cachoeira quer saber se o julgamento será rápido, e o senador confirma.
– Vai julgar rápido. Mandou pegar o papel, já pegou o… negócio lá. Diz que vai fazer o mais rápido possível – avisa Demóstenes.
Num diálogo, gravado em 22 de abril de 2009, o contraventor manda o senador fazer um levantamento sobre o projeto de lei 7.228, relacionado a jogos de azar, e dois dias depois cobra uma posição de Demóstenes. E até pede que ele fale com o então presidente da Câmara, Michel Temer, hoje vice-presidente da República. O senador promete ajudar e diz que vai tentar fazer com que o plenário da Câmara vote a proposta, o que não aconteceu.
– Anota uma lei aí. Você podia dar uma olhada. Ela tá na Câmara. 7.228 2002. PL (projeto de lei) – orienta Cachoeira.
O senador obedece, pede mais informações, anota e aceita a tarefa.
– Vou levantar agora e depois te ligo aí – promete.
Em outras conversas, o senador, que sempre alegou desconhecer atividades ilegais de Cachoeira, alerta que o texto, na forma em que se encontrava, poderia prejudicar o contraventor.
– Regulamenta, não (as loterias estaduais). Vou mandar o texto procê. O que tá aprovado lá é o seguinte: “transforma em crime qualquer jogo que não tenha autorização”. Então inclusive te pega, né? Então vou mandar o texto pra você. Se você quiser votar, tudo bem, eu vou atrás. Agora a única coisa que tem é criminalização, transforma de contravenção em crime, não regulariza nada – avisa Demóstenes.
Cachoeira discorda e acalma o senador.
– Não, regulariza, sim, uai. Tem a 4-A e a 4-B. Foi votada na Comissão de Constituição e Justiça – diz.
Uma outra conversa, gravada em 4 de abril de 2009, revela que o senador e o contraventor estão de olho em um milionário “negócio” em andamento da Infraero. Um dos intermediários na transação seria Dadá, o sargento da reserva da Aeronáutica Idalberto Matias Dadá, um dos presos na Operação Monte Carlo. Demóstenes teria usado a autoridade de relator de uma CPI para levantar informações e prospectar contratos de informática na estatal.
– O negócio da Infraero, conversei com a pessoa que teve lá. Disse o seguinte: o nosso amigo marcou um encontro com ele em uma padaria, não sei o quê. E levou o ex-presidente (José Carlos Pereira, da Infraero), cê entendeu? E que aí o trem lá não andou nada. Eles nem sabem o que tá acontecendo – confidencia Demóstenes.
Cachoeira ordena, então, que o senador faça o serviço.
– Mas tem que ser você mesmo. Você que precisava ligar para ele.
Procurado pelo GLOBO, Pereira confirmou que teve três encontros com Demóstenes em 2009 e reforçou as acusações contra o senador, dizendo que o político estava interessado nos contratos da área de informática da Infraero.
– Houve uma época, durante a CPI (do Apagão Aéreo), eu senti que o Demóstenes poderia estar interessado em assuntos muito internos da Infraero, principalmente ligados à área de informática. E eu cortei na raiz. Eram licitações – disse o brigadeiro.
O desembargador Alan Sebastião confirma que tratou do caso dos policiais torturadores, mas diz que não se lembra se recebeu Demóstenes em seu gabinete. Ele alega que muita gente vai ao gabinete dele pedir “carinho” na análise de processos.
– Mas, se você for escrever alguma coisa, escreva que meu voto foi pela manutenção da condenação dos policiais – disse o desembargador.
Michel Temer disse que, em nenhum momento, foi procurado por Demóstenes para tratar de projetos relacionados a jogos. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, contratado pelo senador, disse que Demóstenes sempre votou contra os bingos, mas não faria comentários porque não conhece o conteúdo das gravações.
O Globo