Nota Pública
Na sessão de 6 de novembro de 2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do recurso extraordinário em que se discute a incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, matéria de extrema relevância social.
Chamou atenção no julgamento, todavia, a reprimenda feita pelo ministro Marco Aurélio, que interrompeu a sustentação oral da advogada Daniela Borges, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por esta ter se referido aos ministros por meio do pronome “vocês”, e não “vossas excelências”: “Presidente, novamente, advogado se dirige aos integrantes do Tribunal como ‘vocês’? Há de se observar a liturgia. É uma doutora, professora”, repreendeu o ministro.
No atual momento em que vivemos, é preciso olhar, criticamente, para os diversos símbolos traduzidos no referido ato de interrupção. Evidentemente sabemos que a diferenciação de sujeitos, por meio de pronomes de tratamento, representa nítida herança do regime colonialista brasileiro ainda não superado – ao menos não materialmente.
A linguagem, símbolo de poder e opressão, cuida de colocar em diferentes castas aquele que fala daqueles outros aos quais dirige a palavra, servindo de costura ao esquema de docilidade tão bem referido por Foucault, para a projeção das modernas relações de vassalidade, submissão e obediência. Os sutis, mas não menos violentos, arranjos de poder que traduzem as “corretas” formas de tratamento, mais do que sobrepor a forma ao conteúdo, são responsáveis por garantir a incontestabilidade de seus ditadores, ocultando-lhes, com seus títulos, o vazio de seus significados.
Interromper a palavra da advogada para exigir observância da liturgia é atravessar a voz das cidadãs ali representadas, mais especificamente das mulheres parturientes cujos interesses estavam ali colocados, em gesto notadamente colonialista. O fato demonstra que foi mais palatável ao ministro do STF uma reprimenda primorosamente rebuscada que o respeito insubmisso, o que é apenas um dos muitos sintomas do profundo adoecimento institucional do Estado.
Que, num futuro não tão distante, a comunicação descreva a ainda sonhada democratização das relações sociais, e os argumentos valham mais que os seus sujeitos. Toda a nossa solidariedade à colega advogada Daniela Borges que, em sustentação oral tecnicamente adequada e conforme o Direito, exerceu brilhantemente o seu papel na defesa da justiça, dos interesses sociais e das mulheres.
Conselho Seccional da OAB-BA
Colégio de Presidentes de Subseções da OAB-BA
Fonte:
http://www.oab-ba.org.br/noticia/oab-ba-divulga-nota-publica-sobre-reprimenda-de-ministro-do-stf-a-advogada