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Antes de entregar o cargo, o ex-governador da Bahia, Paulo Souto,envolveu-se em uma nebulosa operação

Há um mês, o deputado Emiliano José (PT-BA) subiu à tribuna da Câmara dos Deputados, em Brasília, para tornar pública a descoberta do último legado do carlismo ao povo e ao estado da Bahia.

 Derrotado nas eleições estaduais de outubro de 2006, em primeiro turno, por Jaques Wagner (PT), o ex-governador Paulo Souto apressou-se em tomar medidas administrativas, fazer ajustes orçamentários e, a pouco mais de um mês de deixar o cargo, abrir mão de um pequeno e ultravalioso paraíso ambiental público, no sul do estado, em favor de uma ação imobiliária nebulosa iniciada por um ainda mais estranho processo de doação. 

A Ilha do Urubu é recanto de beleza natural praticamente intocada na região de Trancoso, próximo a Porto Seguro, no chamado Quadrilátero do Descobrimento, no sul da Bahia. A ocupação do lugar é disputada, há pelo menos três décadas, pela família Martins, de pequenos comerciantes e pescadores. Ainda assim, em 20 de novembro de 2006, depois de derrotado nas eleições, Paulo Souto decidiu doá-la a apenas cinco dos Martins: Maria Antônia, Benedita Antônia, Ivete Antônia, Joel Antônio e Angelina. 

De acordo com a lei, o quinteto só poderia vender o imóvel depois de cinco anos de uso, mas a ilha acabou vendida quatro meses mais tarde, pela bagatela de 1 milhão de reais, para o empresário espanhol, naturalizado brasileiro, Gregório Marin Preciado. Um ano depois, o paraíso baiano foi passado adiante por 12 milhões de reais para o empresário belga Philippe Meeus, especulador imobiliário proprietário de um resort na Praia da Ferradura, em Búzios (RJ). 

Estranhamente, um mês antes de Paulo Souto doar a Ilha do Urubu, a parte da família Martins beneficiária da ação do governador andava às turras com o futuro primeiro comprador da área, Gregório Preciado. Isto porque Preciado alega ter uma escritura de proprietário da ilha. Chegou, inclusive, a apresentar o documento como garantia para obter um empréstimo de 5 milhões de reais no Banco do Brasil. Escalado para apresentar aos Martins um mandado judicial de reintegração de posse impetrado por Preciado, o oficial de Justiça Dílson José Ferreira de Azevedo testemunhou atos de violência perpetrados por capangas do empresário.

Ao chegar à ilha, em 26 de outubro de 2006, Azeredo encontrou apenas um casal de velhos à sombra de uma árvore. Eram Maria Antônia e Joel Antônio Martins. Os dois foram oficiados, sem nenhum problema ou confusão, mas logo a paz do lugar acabou perturbada pela intervenção de empregados de Preciado. Assim escreveu o oficial de Justiça à Vara Cível e Comercial da Comarca de Porto Seguro: “Prepostos dos autores (além de Preciado, a mulher dele, Vicência Marin) procederam a derruba e queima do barraco ali existente”. Dois meses depois, Maria e Joel- venderiam a mesma terra a quem lhes havia derrubado e incendiado a casa.
Preciado, ex-arrecadador de campanha do governador José Serra, de São Paulo, também foi casado com uma prima do tucano. Em 2002, o Ministério Público Federal entrou com uma ação de improbidade administrativa contra dezoito pessoas e empresas ligadas ao ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira, outro arrecadador de campanha do PSDB, inclusive de Serra. Entre os implicados estava Gregório Preciado, apontado como sócio do governador em duas empresas, Gremafer Comercial e Aceto Vidros e Cristais. 

De acordo com o processo aberto na Justiça Federal de Brasília, Gregório Preciado se beneficiou de dois contratos irregulares, em 1995 e 1998, num total de 73,7 milhões de reais, durante o processo de privatização de empresas públicas do governo Fernando Henrique Cardoso. Mas o pulo do gato da vida de Preciado foi dado mesmo em 1996, quando ele se associou à Iberdrola, gigante espanhola do ramo energético, por meio do consórcio Guaraniana, montado por Ricardo Sérgio com a ajuda dos fundos de pensão da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. Entre 1997 e 2007, o grupo representado pelo arrecadador de campanha tucano arrematou as empresas de energia elétrica da Bahia (Coelba), Pernambuco (Celpe) e Rio Grande do Norte (Cosern). 

Outro complicador, a briga interna que se desenrola entre os Martins. Na semana passada, a parte da família não agraciada pela doação de Paulo Souto entrou em juízo com uma ação rescisória, em Porto Seguro, contra a outra parte e ameaçou permitir a entrada de 200 índios pataxó da região na Ilha do Urubu, a fim de impedir a tomada de posse do empresário Philippe Meeus. Os Martins excluídos da negociata alegam possuir documentação de posse da terra, datada de 1931.

O ex-governador alega ter entregue as terras da Ilha do Urubu aos Martins por se tratar de família carente ali residente há mais de 30 anos. Portanto, não havia como ele prever que, menos de um ano depois, o principal beneficiário da caridade governamental seria Meeus, milionário a quem se atribui a propriedade de 36 Ferrari. A cadeia de transmissão de posse da área está sendo investigada pela Polícia Federal, na Bahia, porque se configura em caso clássico de lavagem de dinheiro – ainda mais por envolver um notório arrecadador de campanhas políticas. 

O quiproquó sobre a lha do Urubu foi levantado por um jovem advogado de Porto Seguro, Rubens Luís Freiberger, e se transformou numa ação popular ajuizada por um colega de Salvador, César Oliveira, no Tribunal de Justiça da Bahia. “Os detalhes dessa ‘ação social’ de Paulo Souto são estarrecedores”, afirma Oliveira. 

De acordo com levantamento feito pelo deputado Emiliano José, combatente histórico do carlismo na Bahia, a doação da Ilha do Urubu foi apenas uma das diversas ações de Paulo Souto voltadas, no fim do mandato, para complicar a gestão do sucessor, Jaques Wagner. 

Segundo o levantamento entre 4 de outubro e 31 de dezembro de 2006, após ser derrotado por Wagner, Souto partiu para uma política de terra arrasada. Naquele período de apenas três meses, o Diá-rio Oficial registrou a outorga de dezessete áreas de terras do estado, além de doações feitas por órgãos públicos descentralizados de doze imóveis e 1.043 veículos-. Isso sem falar em atos de alterações orçamentárias, cerca de 1,5 bilhão de reais, uma média de 25 milhões por dia, durante os últimos 60 dias úteis do mandato do ex-governador do DEM. 

Paulo Souto também alterou o prazo e o valor de recolhimentos do ICMS para antecipar a arrecadação de 2007, no afã de produzir receita e, assim, conseguir fechar o caixa de 2006. As medidas, segundo Emiliano José, atingiram as principais empresas arrecadadoras do tributo na Bahia, entre elas as de telecomunicações, energia elétrica e petróleo, num montante superior a 70 milhões de reais-. Como deferência ao chefe derrotado, Souto concedeu remissão parcial de ICMS e dispensa de multas e acréscimos moratórios para empresas de comunicação locais. Beneficiou diretamente, assim, a Rede Bahia, de propriedade da família de Antonio Carlos Magalhães, hoje controlada pelo filho, o senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM). 

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