A imprensa que não impressiona
por Abílio Mendes (professor e pesquisador)
[*]Lucas Ribeiro (estudante de psicologia e história) *
Foi ontem… São João se aproximava… o ar mudava, as ruas se enfeitavam com bandeirolas, as casas abriam suas portas para aconchegar a alegria do povo que recebia – sem medo – um desconhecido, e o balanço do Forró, do Baião. O cheiro de milho, amendoim, licor, quentão, canjica e tantas outras delícias, misturava-se ao sentido de uma verdadeira tradição. E vinte e quatro de Junho se eternizou para além do seu sentido religioso, graças à delicadeza rústica do espírito profano de Luiz Gonzaga, o rei do Baião.
Não se atenha, imprensa que não impressiona, ao nosso saudosismo, muito menos à elegância das nossas palavras iniciais; preparem-se para a truculência das subsequentes. Cabe antes dizer – e se não coubesse, ainda assim diríamos – que, se fôssemos nos deixar levar pela pura emoção que emana de todas as nossas sensações conjuntas, talvez esse texto nem fosse escrito, e, se assim escrevêssemos, o tom seria outro. Enfim… A razão tomou posse da pena e o que aqui vai vai com a intenção absoluta de colidir com as filosofices impressas nas maculadas páginas de certos “jornaizinhos”, nas ondas de certas “radiozinhas” e no pensamento de meia dúzia de imbecis, que, depois de reduzirem o sentido de suas vidas a ganhar dinheiro, querem também asfixiar a cidade com o seu hálito avarento e a sua pobreza de espírito. Para aonde está indo tanta luz que jorra do sol de Jequié?
Os veículos de alienação local – que através da vileza de suas palavras ousaram a questionar a importância de Gilberto Gil e, depois, a importância da sua vinda a Jequié, bem como a de Dominguinhos (o maior discípulo vivo de Gonzagão), a de Targino Gondim, Flávio José, Adelmario Coelho e da Orquestra Sanfônica de Sergipe – conseguiram, apenas, distorcer o verdadeiro sentido da imprensa: informar, fomentar a reflexão e o discernimento crítico nos seus telespectadores. Comecemos a analisar a postura do jornaleco infundado: de páginas onde nada se salva no que diz respeito às matérias políticas e culturais, só poderíamos esperar uma nota como essa que, surpreendentemente, conseguiu o grande feito de se destacar em meio a todas as outras baboseiras e pieguices afloradas pelas vias do seu português gasto. Aliás, o jornal bem que poderia se chamar Fotobiografia, seria mais coerente com as suas verdadeiras pretensões.
A tal da nota diz num tom de espanto e pobre ironia que a listagem das atrações juninas deste ano é decepcionante, e, para realçar os seus impropérios, acrescenta que pior será a vinda de Gilberto Gil. Como se Gil não tivesse nada a ver com Forró. Quanta tolice! Um escritor de jornal precisa estar bem informado! Para início de conversa, é bom que todos saibam que o acordeão foi o primeiro instrumento que Gil aprendeu a tocar (década de 50), dentre todos os outros, mesmo tendo aprimorado ainda mais o seu estudo de violão.
Então o jornaleco também desconhece que Gil compôs e fez show com Luis Gonzaga? [E ainda] Nunca viu e ouviu os dois discos do líder tropicalista, denominados Gilberto Gil e as canções de Eu, Tu, Eles (2000) e São João Vivo (2001)? Lá encontrará o verdadeiro Baião, Xaxado, Xote, Forró. Ora, claro que tem mais! A história desse incomparável astro baiano está impregnada de preocupação em preservar e difundir a música nordestina. Ah! por falar nisso, conhece o Show da Paz que Gil realizou dentro da sede da ONU, diante dos maiores representantes políticos do planeta? Pos é! Lá ele cantou, dentre outras canções, Asa Branca, sendo acompanhado por sua banda que é composta por alguns dos maiores músicos do mundo.
E tudo isso estará aqui em Jequié, de graça? É até difícil de imaginar! Forró de primeira e alegria sem fim! É o cúmulo da ingratidão e do mau gosto incitar o povo a desprestigiar uma estrela que, literalmente, deu sangue pela liberdade de expressão deste país. Direito este, que tanto incomoda esses pseudo-jornais autoritários. Basta lembrar que, assim como outros, Gilberto Gil enfrentou a ditadura militar em nome do Brasil e não do seu apenas. Foi preso e exilado. E agora ganha como retribuição uma matéria que deseja, em vão, sujar a sua imagem, tentando ganhar, na massa, respaldo para a burrice e ignorância.
Quanto aos locutores de rádio que fazem eco a essas bobagens, poupem fôlego, não gastem o seu latim tentando celebrar uma missa sem metafísica. As críticas direcionadas ao slogan da festa junina deste ano: São João, Xangô, menino (uma referência à canção de mesmo nome feita da parceria entre Gil e Caetano), certamente refletem uma intolerância religiosa por parte daqueles que mais deveriam ser tolerantes, os próprios religiosos. Ora, a adoção do verso, obviamente, não traduz nenhuma imposição mística. É apenas uma maneira de ser coerente com o próprio santo (São João) e com Gil (a maior atração da noite), que, ao que tudo indica, tocará no dia do seu aniversário (26 de Junho). Sabemos que o que mais incomoda aos falsos sábios da palavra é o termo “Xangô”. Se se tratasse apenas de um termo evangélico ou católico, evidente que não causaria tanto transtorno. Logo, se a idéia é ser imparcial, para que ninguém se sinta ofendido, acabemos com todos os termos, seja ele de que religião for, e com a própria tradição.
Acabemos com tudo para agradar aos idiotas! A tentativa de induzir o povo a limitar-se ao consumo de bandas que a mídia – puramente mercadológica – tenta promover, significa um grande perigo social. É possível ouvir de tudo um pouco e fazer a sua escolha, mas, sem dúvida, é preciso permitir a todos o direito de escolher. E para escolher bem é preciso ter boa educação. O Secretário de Cultura de Jequié (Benedito Freire Sena) realizou o seu mais nobre gesto em prol da grande arte desde que assumiu o cargo, justamente quando, ao invés de optar pela vulgaridade e imposição do mercado, apostou na perfeição estética e na boa educação. Parabéns, Bené!
Se esse São João se concretizar, com certeza, Jequié terá vivido um momento histórico! Para criticar, é preciso antes conhecer a história, para conhecer a história, é preciso estar comprometido com a sociedade e para estar comprometido com a sociedade, é preciso sentir-se parte integrante e pensante dela.