O governo federal continuará evitando a regulamentação do sistema de previdência complementar aos servidores públicos, aprovado pelo Congresso em 2003. Enquanto 24,3 milhões de aposentados urbanos e rurais geram um déficit anual próximo a R$ 42 bilhões, apenas 950 mil servidores aposentados respondem por um déficit anual superior a R$ 52 bilhões à Previdência.
Os esforços do governo, no entanto, estão longe desta seara. A grande missão do ministro da Previdência, Garibaldi Alves, é cumprir uma determinação da presidenta Dilma Rousseff: extinguir o fator previdenciário, criado durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso. Para isso, Alves precisa criar um modelo alternativo para determinar o momento da aposentadoria.
“Será preciso fazer um sacrifício, e nessa hora ninguém quer fazer. Teremos de sacrificar uma geração em proveito de outra, e assim em diante. É isso o que o governo está querendo, ou seja, definir a linha de corte para o trabalhador se aposentar”, diz o ministro. “E o caminho escolhido, o do diálogo com diversos atores, como as centrais sindicais, vai demandar muita paciência”.
Contrárias ao fator previdenciário, que reduz os benefícios previdenciários pagos pelo Estado quanto mais cedo uma pessoa se aposenta, as seis maiores centrais sindicais também barraram as duas ideias lançadas pela Previdência. “É inviável exterminar o fator previdenciário e não colocar uma alternativa”, diz Alves.
Sobre a regulamentação da previdência complementar aos servidores, Alves é direto: “Este assunto deve ser resolvido em outro endereço, no Congresso, que é quem regulamenta o projeto. Nós não vamos pressionar ninguém [para aprovar]”.
Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ao “Valor Econômico”:
Desde que foi criado, em 1999, o fator previdenciário sofre pesada oposição das centrais sindicais. Qual é a sua posição?
Acho que o fator previdenciário precisa ser eliminado. Mas, ao mesmo tempo, é inviável exterminar o fator previdenciário e não colocar uma alternativa. O que se discute hoje não é se o fator, que deveria estar eliminado há muito tempo, mas como enterrá-lo, porque há a necessidade de se ter algo muito melhor.
E qual é a alternativa que o governo propõe?
O governo não tem ainda, realmente, uma decisão. Mas uma proposta que o governo estaria disposto a discutir com as centrais seria a 85/95 [mulheres poderão se aposentar quando a soma da idade e do tempo de serviço atingir 85 anos, e homens, 95 anos]. Mas não há consenso ainda. Estamos convencidos, no entanto, de que é preciso enfrentar essa questão agora, mas seria inviável, francamente, se a mudança fosse feita de forma hierárquica, com o governo baixando uma lei. Até aprovaríamos mais rápido desta forma, mas depois a reação social seria muito forte. É desnecessário criar uma crise neste momento.
O debate sobre a instituição de uma idade mínima para aposentadoria no Brasil é antigo, mas nunca saiu do papel. O projeto, agora, é possível?
Temos de considerar que não há uma consolidação disso ainda. O que há é uma preocupação nossa em encontrar uma solução para um problema é mundial. Todos os países, ricos e pobres, estão discutindo esse desafio do envelhecimento e dos custos públicos derivados disso. Não podemos, então, tapar o sol com a peneira e evitar esse assunto.
Os governos sempre evitaram entrar no assunto porque ele é impopular…
Isso é muito sério mesmo. Há duas semanas fui abordado por uma senhora, no interior do Rio Grande do Norte, que veio perguntar se eu estava querendo que ela trabalhasse mais para poder ganhar aposentadoria. Ou seja, nem sequer começamos a falar em instituir idade mínima para aposentadoria e a população já começa a entrar em pânico. Para lidar com a Previdência, é preciso assumir ares de estadista, porque se fosse me preocupar com a próxima eleição não estaria aqui. Será preciso fazer um sacrifício, e nessa hora ninguém quer fazer. Teremos de sacrificar uma geração em proveito de outra, e assim em diante. É isso o que o governo está querendo, ou seja, definir a linha de corte.
A reforma da Previdência, aprovada na Câmara e no Senado em 2003 ainda não foi toda regulamentada. Por quê?
Foram duas PECs [propostas de emenda à Constituição]: a 41, engavetada, e a 47, chamada de “PEC paralela”, que teve o condão de não permitir que a reforma de 2003 avançasse tanto. Porque o governo acelerou muito o carro, em 2003, e depois, quando viu que não dava para passar tudo aquilo, freou bruscamente. Mas depois foi tudo aprovado.
Mas um dos pontos mais sensíveis, que criaria o sistema de previdência complementar para servidores públicos, não foi regulamentado até hoje. Esta seria uma saída importante para o déficit na Previdência, não?
Isso aí é uma discussão que vai empregar menos energia nossa, pelo menos neste começo de governo, do que o da idade mínima. Nós não vamos precisar fazer toda a discussão, porque o projeto já está no Congresso. Essa questão [dos fundos de previdência complementar para servidores públicos] fica em outro endereço, no Congresso, não no Ministério. É o Congresso que regulamenta os projetos do Executivo. Nós não vamos pressionar ninguém.
Fonte: Valor Econômico / Portal CTB