O médico sanitarista Adriano Massuda é contundente ao defender mais recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS), que, segundo ele, é historicamente subfinanciado. “Restringir ainda mais recursos para diminuir o tamanho do SUS, no Brasil, é um crime. A gente tem que colocar as palavras como elas são. É crime porque vai causar mais mortes preveníveis e evitáveis. Não dá para pactuar com isso no século 21, em 2021”, disse na Live do Valor desta quarta-feira.
“A gente não pode retroceder, temos que avançar, e avançar é colocar mais recursos para o sistema”, disse o professor e pesquisador do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da FGV-EAESP.
Mesmo com os problemas gravíssimos gerados pela pandemia, por outro lado, ela tem revelado a importância e “colocado luz em coisas que o Brasil tem”, disse Massuda, citando o próprio SUS e o Plano Nacional de Imunizações (PNI). A situação do Brasil, cuja resposta à pandemia está “muito distante da nossa capacidade”, segundo o médico, só não está pior exatamente porque o país tem a herança do SUS. Se a falta de coordenação do governo federal e do Ministério da Saúde afetou a resposta do país à crise, o fato de o sistema de saúde ser descentralizado também tornou possível que alguns Estados e municípios e seus profissionais de saúde promovessem ações importantes, avaliou.
Mas a pandemia também reforçou que só colocar mais recursos não basta se não houver gestão competente. “Se tiver gestão não comprometida com a coisa pública, o recurso é desperdiçado”, disse. A questão, para ele, é que é preciso resolver os dois gargalos, porque, sem recursos, também fica difícil resolver o problema de gestão. “Aumentar só gestão com mesmos recursos é papo furado, não tem evidência no mundo de que isso funcione”, afirmou.
Segundo ele, é preciso fortalecer o SUS e a atenção básica. Esta última cobre 75% da população brasileira e é através dela que os governos conseguem trabalhar medidas preventivas. “Ali, precisa ter investimento de recursos para pagar os profissionais de saúde”, afirmou Massuda. Ele acrescentou que é preciso fortalecer o sistema de vigilância em saúde e reformar a área hospitalar. “A capacidade de gestão hospitalar e integração da rede com as demais partes do sistema de saúde ainda é muito precária”, afirmou.
O aporte de recursos à saúde em 2020 foi importante, “mas para esse segundo ano [da pandemia], os recursos não estão garantidos”, alertou. “Pode até ter a estrutura, mas, se não tiver financiamento, vai faltar gasolina para o sistema operar.”
Citando artigos científicos, o médico sanitarista disse que países que adotaram medidas de austeridade fiscal que impactaram seus sistemas de saúde antes da pandemia tiveram mais dificuldade para ter um retorno às atividades econômicas, “porque uma população adoecida é uma população que não trabalha e não consome”.
“Sistema de saúde é uma questão de cidadania, mas é uma questão econômica também. Países ricos, à exceção dos Estados Unidos, têm sistemas públicos, porque ter uma população saudável é fundamental para a economia.”
Ele observou que mesmo economistas que antes defendiam medidas mais duras de ajuste fiscal no Brasil estão revendo suas opiniões em relação aos recursos para a saúde. “Não dá só para sanitaristas defenderem o SUS. A defesa do SUS tem que ser da sociedade brasileira e dos economistas brasileiros que querem ter o retorno das atividades econômicas”, disse ele, acrescentando que a defesa do SUS também passa pela defesa de investimentos em ciência e tecnologia.