O representante comercial Carlos Terra, 56, conta 4.027 dias, desde o assassinato do filho Lucas Terra, aos 14 anos, em 2001. A contagem não para até que a Justiça decida se dois dos três acusados irão ou não a júri popular. Longa e dolorosa, a espera do pai expõe um sistema judiciário, segundo especialistas e operadores do direito, inerte, reflexo de leis frouxas e de uma infraestrutura sucateada.
Levar acusados de matar a júri é a prioridade da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), do Ministério da Justiça. Apesar do esforço, a força-tarefa criada na Bahia em junho do ano passado, com quatro promotores do Ministério Público do Estado (MP-BA) e quatro delegados do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), não atingirá a Meta 2 do Enasp até o final do prazo (30 de abril próximo).
Existe uma “montanha” de processos parados – prontos para ir a júri ou ainda sem autores identificados. Em todo o Estado, a força-tarefa conseguiu dar encaminhamento a 2.258 inquéritos (19,5%), de um total de 11.536 inquéritos por homicídios dolosos, instaurados entre os anos de 1991 e 2007. Foram 388 denúncias oferecidas pelo MP-BA, que arquivou ou desclassificou o restante dos procedimentos. No estoque, ainda restam 9.278 inquéritos parados.
“Metade dos estados deve cumprir a meta no País. A Bahia não deve conseguir finalizar tudo, devido ao grande volume”, admite a juíza federal Taís Ferraz, que é membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), instância responsável por monitorar as 27 unidades federativas quanto à Meta 2.
Produtividade – Em números absolutos, a Bahia é o segundo Estado que mais encaminhou inquéritos, o que a Enasp chama de “produtividade” – 2.258, contra 13.261 do Rio de Janeiro, o primeiro colocado. No entanto, em termos proporcionais, a Bahia tem 19,6% da meta realizada, o sétimo pior desempenho.
O panorama do País mostra que, entre os cinco estados com mais de 80% da meta cumprida, nenhum tem estoque inicial acima de dois mil inquéritos. O percentual nacional é de 21,9% (31.283 de 142.987 inquéritos policiais).
Chama a atenção, entre os dados da força-tarefa baiana, o volume de arquivamentos propostos e de inquéritos devolvidos às delegacias pelo MP-BA, respectivamente 1.747 (incluídos nos 2.258 de produtividade) e 2.423. Juntos, representam 89% dos 4.681 inquéritos já analisados.
O coordenador do Núcleo do Júri do MP-BA, Antônio Luciano Assis, diz que há arquivamento quando se constata a ausência de indícios de autoria ou o processo prescreve. Os inquéritos são devolvidos às delegacias quando não são esgotadas as possibilidades de investigação: “Devolvemos para que sejam feitas mais diligências”.
O promotor considera que 388 denúncias oferecidas à Justiça é um número significativo. “É um grande êxito ter 17% de denúncias, porque a média nacional hoje de elucidação de crimes contra a vida é de 8%”, destaca. Ele observa que o percentual reflete um trabalho ainda mais exitoso, por se tratar de processos antigos, instaurados até dezembro de 2007: “Isso dificulta a investigação, devido ao tempo do acontecimento do crime”. Deve-se a isso o alto índice de arquivamentos.
Segundo Assis, foi elaborado um diagnóstico da estrutura policial, no qual se apontam as dificuldades de investigação: “Não posso divulgar porque ele vai ser encaminhado ao Ministério da Justiça, ao governador e à Secretaria da Segurança Pública”.
Mas a análise substancial é conhecida. “O grande volume de inquéritos paralisados decorre da histórica falta de investimentos na estrutura policial, em viaturas, em agentes da Polícia Técnica e em logística”, aponta Assis. A juíza Taís Ferraz traz o mesmo cenário em âmbito nacional: “A falta de estrutura é gritante. Outro ponto é o déficit de capacitação dos agentes”.
A TARDE tentou contato, nesta quinta, com o procurador-geral de Justiça do MP-BA, Wellington César Lima, mas a assessoria do órgão informou que ele estava em viagem a Minas Gerais.
Obstáculos – Fora da polícia, a própria lei atrapalha, “criando obstáculos à Justiça”, segundo o promotor de acusação do caso Lucas Terra, Davi Galo. O pai da vítima cobra o júri popular. “O crime prescreverá em nove anos e não é muito tempo pelos recursos possíveis”, aponta Davi Galo.
Carlos está há mais de dez dias acampado em frente ao Fórum Ruy Barbosa, em Nazaré: “Só saio daqui quando a Justiça se pronunciar”.
A Tarde